Dormir em segurança. Uma das maiores façanhas da Ciência!
Uma boa parte de nós associa anestesia a risco e/ou possibilidade de fatalidade. O nome que damos em medicina é risco anestésico. Alguns estudos em Medicina Veterinária apontam para perto de 0,1% de fatalidades e 2% de algum tipo de complicações. Quando consideramos o quão pouco serve de consolo este tipo de estatística a quem sofre na pele a fatalidade de um animal de estimação, não nos devemos esquecer que a esmagadora maioria destes casos são de animais submetidos a procedimentos urgentes por terem doenças potencialmente fatais. O que equivale a dizer que nestes casos o risco anestésico era à partida elevado. Perante estes factos e pensando também na nossa experiência pessoal, podemos afirmar que com os fármacos e tecnologia actuais as anestesias em Medicina Veterinária são muitíssimo seguras.
O risco depende de vários factores como o tipo e tempo de cirurgia, as doenças existentes e características do paciente como a idade e o peso, entre outras. Os principais objectivos da avaliação pré-anestésica são a detecção antecipada de factores que envolvam riscos anestésicos. É crucial o conhecimento da história clínica mais antiga e mais recente para evitar por exemplo alergias a medicamentos, interacções indesejáveis entre medicamentos e identificar factores que exijam estabilização prévia à anestesia. Se por exemplo formos anestesiar um paciente diabético tomamos medidas específicas antes, durante e depois da anestesia de forma a garantir que o factor glicemia se mantenha controlado.
Algumas características do paciente podem afectar directamente o risco anestésico. Animais de focinho achatado (braquicéfalos) como o bulldog, pequinois, pug e gatos persas podem ter maiores dificuldades respiratórias sob anestesia assim como os animais obesos. Animais jovens até aos 3 meses apresentam imaturidade do sistema de “controlo interno” (homeostasia) tendo maior sensibilidade por exemplo à hipotermia e também em lidar com os efeitos e eliminação das drogas anestésicas. Os animais idosos exigem igualmente maiores precauções anestésicas já que a reserva cardíaca (capacidade do coração compensar o “stress” no organismo) está muitas vezes diminuída além de poderem ter menor capacidade de metabolização dos fármacos.
Para se fazer um bom controlo de risco fazem-se por rotina avaliações complementares ao paciente que, em geral, podem incluir algumas análises sanguíneas (sendo as mais frequentes : hemograma, avaliação da função do fígado e rim, proteínas sanguíneas, glicemia e provas de coagulação) e avaliação cardíaca (frequentemente electrocardiograma, pelo menos a partir de certa idade e sempre que exista ou haja suspeitas de doença cardíaca).
O papel do anestesista consiste assim na avaliação criteriosa de todas essas informações relativas ao paciente e na selecção dos meios e protocolos anestésicos mais seguros e adequados para cada situação por forma a minimizar os riscos. Os riscos serão sempre comunicados aos proprietários dos animais, assim como as estratégias para os diminuir.
Durante a cirurgia e no pós-operatório imediato o médico anestesista executa a administração dos fármacos e a monitorização contínua dos sinais vitais do paciente. Algumas das suas preocupações mais constantes são o controlo da dor, a manutenção da pressão arterial (evitando e minimizando as hipotensões) e a manutenção de uma ventilação adequada (respiração) para o organismo receber o oxigénio que precisa e eliminar o dióxido de carbono em excesso, recorrendo se necessário á ventilação artificial (ventiladores).
Para ajudar o anestesista a acompanhar a reacção do organismo á anestesia ele pode dispor de vários aparelhos que dão informações como: oxigenação do sangue, pressão arterial, dióxido de carbono no ar expirado, volume de ar que entra e sai dos pulmões, actividade eléctrica do coração, pulso e temperatura do paciente entre outros parâmetros possíveis de obter.
Algumas técnicas em anestesia estão associadas a margens de segurança maiores porque não exigem tanto “esforço” por parte de órgão vitais como o coração e porque ao controlar a dor de forma muito eficaz permitem baixar as doses de drogas depressoras do sistema nervoso central. Um exemplo bem conhecido é a anestesia epidural, técnica que usamos praticamente em todas as cirurgias “da cintura para baixo”.
Na grande maioria das intervenções cirúrgicas é indispensável que o estômago do paciente esteja vazio para que não ocorra regurgitação de comida ou líquidos durante a anestesia. Para tal o animal não deve comer nas 12 horas que antecedem a cirurgia. É de notar que pacientes pediátricos possuem reservas reduzidas de glicogénio (percursor da glicose) no músculo e fígado e por isso aconselha-se jejum apenas de 3-4 horas a estes pacientes, salvo alguma excepção. Algumas medicações devem ser continuadas e outras não.
Como pontos a reter ficam o facto de que as anestesias em Medicina Veterinária são hoje em dia muito seguras e que é importante esclarecer o máximo de factores possíveis antes destes procedimentos.