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Descrição da técnica cirúrgica de aumento acetabular por intermédio de enxerto ósseo apoiada por figuras, imagens e vídeo

A técnica que passamos a descrever foi desenvolvida ao longo de vários anos a partir da técnica “shelf” extra-capsular descrita por Slocum. A nosso ver esta técnica é especialmente valiosa nos casos de cães juvenis com sub-luxações coxo-femorais severas e/ou sub-desenvolvimento grave do acetábulo. O aumento acetabular é adaptado a cada caso consoante as suas características morfológicas e dinâmicas. A preocupação deve ser principalmente com a obtenção de uma cobertura suficiente e robusta da cabeça femoral, mais do que com a excessiva cobertura, cujas consequências não serão importantes com esta técnica. Não obstante, devemos procurar não criar cobertura excessiva.

Quanto às indicações, o aumento acetabular não tem um limite etário bem definido. Podemos dizer que o paciente ideal tem entre 4 e 6 meses de idade, devido à plasticidade biológica inerente. O grupo etário dos 7-9 meses terá um prognóstico favorável dependendo da fase da doença. Obtivemos bons resultados em múltiplos casos clínicos após os 9 meses de idade. Mas a menor plasticidade biológica e o frequente estado avançado da doença neste grupo etário requer uma selecção mais rigorosa dos candidatos. Enfatizamos que os pacientes aos quais nos referimos são os afectados pelas formas mais severas de displasia. Não nos preocupam os quadros compensados e assintomáticos da doença.

A técnica não está indicada nos casos em que a cabeça femoral cavalgou o bordo dorsal do acetábulo, aí formando um falso acetábulo. Em geral, articulações com doença articular degenerativa avançada terão um prognóstico reservado, nomeadamente a perda severa de cartilagem articular (expondo o osso subcondral) e a deformação severa da cabeça femoral com osteofitose exuberante. Devemos ponderar cautelosamente a utilização desta técnica nestes casos.

 

1. Acesso à cápsula articular e dissecção:

Executamos um acesso caudal á articulação coxo-femoral. A incisão cutânea é paralela ao bordo craneal do Bíceps, desde o ligamento sacro-tuberal até à região do 3º trocânter femoral. Afastamos o bíceps caudalmente e os músculos glúteo superficial e médio cranealmente.

O ligamento sacro-tuberal é identificado e cortado (para evitar a possível compressão do nervo ciático entre o enxerto em expansão e este ligamento).

A linha sobre os músculos gémeos onde corre o ramo da artéria glútea caudal é o local onde aprofundamos a dissecção até à cápsula (Slocum). A artéria é cauterizada com cautério bipolar ou ligada com fio de sutura. Libertamos da cápsula toda a musculatura que a cobre na zona dorsal. Seguidamente desperiostizamos a musculatura do acetábulo dorsal na extensão necessária para aceitar o sulco que iremos criar no osso (“d” da figura 1). Devemos ter cuidado para não danificar fibras de inserção capsular no acetábulo dorsal. Frequentemente é possível criar uma pequena “bolsa”, por intermédio de dissecção romba com instrumento curvo de ponta fina, entre o músculo articular da coxa e a cápsula para nela introduzirmos a extremidade craneal da primeira tira de enxerto ósseo, o que assegura um bom nível ventro-dorsal de colocação do enxerto craneal ( figura 2). Caudalmente os músculos gémeos e o tendão do obturador interno são libertados da cápsula por dissecção, criando uma “bolsa” caudal para inserção das extremidades caudais de várias tiras do enxerto.

Em algumas fases do acesso pode ser útil colocar a anca em abdução e ganhar algum espaço adicional para a técnica.

Legenda: a– obturador interno ; b– glúteo profundo; c– cápsula articular; d– sulco

Legenda: e– articular da coxa; f– 1ª tira da 1ª camada

 

2. Criar um espaço estável e confortável para a cirurgia e execução do sulco ósseo

Uma das formas para criar um espaço mais confortável de trabalho é a inserção de uma cavilha de Steinmann de 2 a 2,5 mm no acetábulo dorsal , no ponto mais craneal do sulco que iremos executar (letra “d”, figura 1). Se após a sua inserção dobrarmos esta cavilha cranealmente, o arco criado servirá de afastador muscular de ponto fixo (cavilha de retracção). Alternativamente um assistente pode usar um afastador apropriado.

Nas articulações com grande efusão articular a remoção do excesso de fluido permite ganhar mais espaço de trabalho, assim como a abdução da anca que pode ser obtida por meios variados (por ex. posicionadores para exame radiológico).

Criamos um sulco removendo uma banda de osso cortical do acetábulo dorsal (do seu limite caudal ao craneal e até á profundidade do osso esponjoso sangrante), com uma goiva de Lexer de 4 mm , ou outro meio apropriado, numa zona justamente dorsal à inserção da cápsula articular (“d”, figura 1).

 

3. Colheita do enxerto ósseo

O enxerto ósseo é colhido da asa do íleo ipsilateral. A incisão inicia-se num ponto a meio caminho entre a tuberosidade sacral e a tuberosidade coxal e segue em direcção ao trocânter maior. A extensão da incisão é a suficiente para a remoção segura e eficaz das tiras ósseas. Um valor típico é o de 10 centímetros num cão de 35 Kg.

Continua-se este acesso até à fáscia profunda, a qual cortamos segundo a mesma orientação da incisão cutânea e danificando o menos possível as fibras musculares (ver foto). Apoiamos um elevador de periósteo na margem craneal da asa do íleo e avançamos caudalmente a ponta do elevador, sem perder contacto com o osso, executando movimentos de alavanca por forma a separar as fibras musculares e até chegarmos ao limite caudal da zona de colheita (VEJA O VIDEO). Seguidamente expomos toda a asa do íleo. Para termos acesso à zona mais ventral e dorsal da região craneal da asa do íleo executamos 2 incisões, uma ventral e outra dorsal (partindo da incisão inicial) nas inserções musculares na crista ilíaca e na medida do necessário, criando uma incisão em “T” .

A colheita da 1ª tira é efectuada seguindo o eixo central da asa e corpo do íleo, com uma goiva de lexer curva de 10 mm. As duas seguintes serão paralelas á 1ª, uma dorsal e outra ventral , e assim sucessivamente até termos removido todo o cortex lateral. Dependendo da espessura desta primeira camada de tiras, geralmente é possível remover tiras de osso esponjoso depois desta 1ª colheita. Nos cães com mais de 7 meses poderá ser necessário desgastar primeiro o cortex lateral do íleo, para que a colheita seja fácil e precisa. Uma cortical muito dura dificulta esta tarefa. Além de que as tiras perdem a maleabilidade desejável com o aumento da idade do paciente. Este desgaste pode ser feito com motor ortopédico ou outro meio adequado, evitando atingir temperaturas elevadas.

Incisão na fáscia glútea.

Tiras cortico-esponjosas e tiras esponjosas retiradas da mesma asa do íleo.

 

4. Colocação do enxerto ósseo

A 1ª tira a colocar é a mais lateral sobre a cabeça femoral. Escolhemos a tira com a melhor conformação. Idealmente ela é apenas de osso esponjoso. Em animais no grupo etário dos 4-6 meses isto não é tão importante, dada a porosidade e maleabilidade do osso cortical. Inserimos a extremidade craneal da tira de enxerto na “bolsa” criada por debaixo do músculo articular coxal (Figura 2). Seguidamente manipulamos o tendão do obturador interno por forma a facilitar a inserção da extremidade caudal da tira óssea na “bolsa” caudal. Estas duas bolsas estabilizam o posicionamento e o nível ventro-dorsal do enxerto, colocando-o na situação em que receberá carga do apoio, o que é essencial para que se estabeleça como aumento acetabular. A 2ª tira é colocada medialmente e paralela á 1ª, e as seguintes mediais a esta até cobrir o sulco que criámos (Figura 3). Privilegiamos a colocação de osso esponjoso nesta 1ª camada. Por cima desta 1ª camada é colocada uma 2ª camada (Figuras 4). A sensação é a de colocar uma grande quantidade de osso num espaço apertado. Para facilitar a colocação do enxerto na “bolsa” craneal executamos abdução da anca. Para facilitar a colocação na “bolsa” caudal fazemos abdução e rotação externa da anca.

Não é expectável que se obtenham tiras muito homogéneas entre si. Usamos as várias tiras obtidas tendo com objectivo a construção de um aumento o mais compactado possível (evitando espaço morto) e com uma altura (dimensão ventro-dorsal) que lhe dê robustez. Podemos preencher os espaços mortos no interior do enxerto com osso esponjoso fragmentado, que é possível obter da zona de colheita após a remoção das tiras ósseas (por ex., com uma colher de Volkmann). Para melhor coesão do enxerto podemos comprimir (manualmente ou com instrumento) as tiras da 2ª camada sobre as da 1ª, moldando o enxerto.

Nesta modificação da técnica original de Slocum não são utilizadas suturas para estabilizar o enxerto. Este é estabilizado pelas duas “bolsas” descritas e pela restrição de espaço, desde que o espaço criado debaixo da musculatura seja apenas o necessário para acomodar o enxerto.

 1ª camada de tiras ósseas

 Legenda: g– 2ª camada de tiras ósseas

5. Encerramento

Nos 2 acessos a 1ª camada a suturar é a fáscia profunda. Prosseguimos o encerramento plano por plano da forma habitual.

 

6. Pós-cirúrgico

Aconselhamos o proprietário a restringir totalmente as actividades de maior propulsão, nomeadamente corrida (galope e trote rápido) e saltos, até à integração e maturação completa do enxerto, o que demora entre 3 e 4 meses.

 

Agradecimentos:
Figuras de apoio ao texto concebidas por hardfolio (www.hardfolio.com)


 

Saiba mais sobre a Técnica Modificada da Plastia do Bordo Acetabular Dorsal de Slocum (DARthroplasty),
em www.darthroplasty.com