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Uma cadela da raça Pastor Belga apresentava dor severa causada por displasia de anca canina, tendo sido tratada cirurgicamente com aumento acetabular extra-capsular.

Em Medicina Humana, o aumento do suporte da cabeça femoral por meio de um enxerto ósseo extra-capsular tem um longo historial como tratamento da displasia de anca.

Foi inicialmente descrito por Konig em 1891, sendo o principal método de reconstrução acetabular durante a primeira metade do século XX (1). Várias técnicas cirúrgicas baseadas neste princípio têm sido usadas. A principal diferença entre elas é o método pelo qual o enxerto é estabilizado. Este grupo de técnicas cirúrgicas é genericamente conhecido (na literatura anglo-saxónica) pelo termo “Shelf Acetabuloplasty” (Acetabuloplastia em plataforma ou prateleira), no sentido em que o enxerto ósseo funciona como uma extensão do acetábulo. Nas últimas décadas o diagnóstico precoce da displasia de anca em humanos veio permitir a sua correcção por intermédio de arneses (ex.: arnês de Pavlik) e por osteotomias de rotação acetabular (possibilitando a cobertura da cabeça femoral por cartilagem hialina) reduzindo o número de acetabuloplastias “Shelf”. No entanto, estas técnicas mantêm-se como opção elegível por muitos cirurgiões, sendo principalmente usadas em casos de apresentação tardia da doença (final da infância, na adolescência e em adultos jovens) (1,2,3,4,5). Permanecem como uma das poucas alternativas em casos complexos de apresentação tardia (1), como técnicas de revisão, nos casos de falha da osteotomia para rotação acetabular em conferir a cobertura desejada á cabeça femoral (6), e como uma das melhores opções para a doença de Legg-Calvé-Perthes severa de apresentação tardia (7,8,9,10,11,12,13). Em anos recentes têm sido aplicadas usando métodos minimamente invasivos (14).

Em 1958 Barclay Slocum e Theresa Devine Slocum publicaram a descrição e os resultados de uma técnica “shelf” para canídeos denominada “DARthroplasty” (15). Este nome significa “Dorsal Acetabular Rim plasty”, em português, plastia do bordo (ou margem) acetabular dorsal. Mais de 300 ancas foram intervencionadas durante os 6 anos de experiência destes autores com a técnica antes da sua publicação (15). Segundo estes autores a técnica está indicada para ancas cuja deformação displásica surge como demasiado avançada para uma correcção por osteotomia pélvica tripla mas nas quais ainda não estão indicados os procedimentos de último recurso (“salvage”) (15).

Desde esta publicação muito pouco se tem escrito sobre a plastia do bordo acetabular (“DARthroplasty”).
Os dados não foram recolhidos para se clarificar o seu lugar na cirurgia veterinária.

 


 

ESTUDO de CASO:

Uma cadela com 6 meses e meio de idade, da raça Pastor Belga, foi referida ao centro de cirurgia devido a graves dificuldades de locomoção por incapacidade nos membros posteriores. Ela pesava 15 Kg nesta altura. Na história pregressa constavam dificuldades em se deitar e levantar, gemidos frequentes quando mudava de posição corporal, dificuldade em subir escadas e claudicação.

A observação visual revelou deformação da região da garupa com protusão lateral dos trocânteres maiores femorais. O exame ortopédico revelou dor severa na extensão passiva das articulações coxo-femorais e na abdução associada a rotação externa. O teste de compressão trocantérica era positivo bilateralmente, confirmando a permanente sub-luxação das cabeças femorais.

O imagem radiográfica na figura 1 documenta a subluxação bilateral compatível com o diagnóstico de displasia de anca. Foi executada plastia bilateral do bordo acetabular para tratamento dos sintomas do canídeo.

figura 1

Técnica cirúrgica:
O cão foi pré-medicado com Tramadol e Acepromazina. A anestesia geral foi induzida com Propofol e Diazepam e mantida com Isofluorano. Foi executada anestesia epidural com uma mistura de Lidocaína, Bupivacaina e Morfina.

Foi executado acesso caudal á articulação coxo-femoral. Os músculos foram elevados da cápsula articular e do acetábulo dorsal como descrito por Slocum e Slocum (15). Uma cavilha de Steinman de 2,5 mm de diâmetro foi impactada no osso ilíaco, dorsalmente ao limite craneal do bordo acetabular e dobrada no sentido craneal para retrair a musculatura glútea e criar um espaço estável para a técnica prosseguir. Foi criado um sulco através da remoção do cortex lateral do acetábulo (até á profundidade do osso esponjoso sangrante) com uma goiva de Lexer de 4 mm do seu limite caudal ao craneal, justamente dorsal à inserção da cápsula articular. Uma 2ª incisão foi executada, como descrita por Slocum e Slocum (15), para expor toda a asa do osso ilíaco e recolher, com uma goiva de Lexer curva de 10 mm, o maior número possível de tiras de osso esponjoso e cortico-esponjoso, sem interferir com a função estrutural do osso Ilíaco. O comprimento das tiras foi estimado a partir das imagens radiográficas e por medição directa sobre a cabeça femoral palpável durante a cirurgia. A 1ª tira foi inserida sobre a cápsula, paralelamente ao sulco criado e sob o tendão do músculo glúteo profundo cranealmente e do tendão do músculo obturador interno caudalmente, constituindo a parte mais lateral da 1ª camada do aumento acetabular. Tiras adicionais foram colocadas paralelamente e medialmente à 1ª até que a última tira cubria o sulco criado no acetábulo, formando as tiras conjuntas uma 1ª camada contínua. Uma 2ª camada de tiras foi colocada (e manualmente comprimida) sobre a 1ª camada por forma a tornar o enxerto o mais espesso (dorsoventralmente) possível. Não foram utilizadas suturas para estabilizar o enxerto. Este é estabilizado pelos referidos tendões e pelos músculos da região, ao se limitar a dissecção ao espaço necessário para o enxerto.

Foram obtidas imagens radiográficas de incidência ventro-dorsal imediatamente após a cirurgia (fig.2) e 5 meses mais tarde (fig.3) na posição de extensão coxo-femoral máxima e rotação interna dos membros. Neste último exame o cão tinha 11 meses de idade e 24 Kg de peso. 1 ano após a cirurgia foi executada tomografia axial computorizada na posição de extensão ligeira das articulações coxo-femorais (figs. 4,5 e 6) .

 figura 2

figura 3

figura 4

figura 5

figura 6

5 meses após a cirurgia o cão encontrava-se totalmente funcional em todas as actividades, incluindo salto e galope. A amplitude dos movimentos de extensão e flexão coxo-femorais eram normais. A abdução estava limitada pelo enxerto bilateralmente, sem causar perturbação detectável da locomoção. A massa muscular foi considerada normal. Não se detectou manifestação de dor na extensão das articulações coxo-femorais. O resultado destas observações permaneceu inalterado na avaliação efectuada 1 ano após a cirurgia.

Imagens obtidas 34 meses após a cirurgia .
Não há alteração funcional desde a anterior avaliação.

 

DISCUSSÃO:
O conhecimento actual em Medicina Veterinária não permite definir com precisão as indicações, a eficácia e o prognóstico pós-cirúrgico da “DARthroplasty” de Slocum ou de outras acetabuloplastias “shelf”. No universo das publicações em Medicina Veterinária apenas a descrição da técnica e resultados por Slocum e Slocum estão disponíveis actualmente. Estes autores reportaram que no seguimento da sua série de casos, nenhum dos pacientes demonstrou sinais de dor que sugerissem a necessidade de prótese total de anca (15).

As técnicas de acetabuloplastia “shelf” merecem ser investigadas com rigor como opção no tratamento cirúrgico da displasia de anca canina.
Um objectivo racional seria a recolha de dados objectivos da maior série de casos possível recorrendo a uma técnica cirúrgica reprodutível.

 


 

Saiba mais sobre a Técnica Modificada da Plastia do Bordo Acetabular Dorsal de Slocum (DARthroplasty),
em www.darthroplasty.com

 


 

Referências

  1. Staheli LT, Chew DE. Slotted acetabular augmentation in childhood and adolescence.
    J Pediatr Orthop. 1992 Sep-Oct;12(5):569-80.
  2. Fawzy E, Mandellos G, De Steiger R, et al. Is there a place for shelf acetabuloplasty in the management of adult acetabular dysplasia? A survivorship study.
    J Bone Joint Surg [Br] 2005; 87-B:1197-202.
  3. Summers BN, Turner A, Wynn-Jones CH. The shelf operation in the management of latepresentation of congenital hip dysplasia.
    J Bone Joint Surg [Br] 1988;70-B: 63-8.
  4. Courtois B, LeSaout J, Lefevre C, et al. The shelf operation for painful acetabular dysplasia in adults: a propos of continuous series of 230 cases.
    Int Orthop 1987;11: 5-11 (in French).
  5. Hirose S, Otsuka H, Morishima T, et al. Long-term outcomes of shelf acetabuloplasty for developmental dysplasia of the hip in adults: a minimum 20-year follow-up study.
    J Orthop Sci (2011) 16:698–703
  6. Su Y, Wang M, Chang W. Slotted Acetabular Augmentation in the Treatment of Painful Residual Dysplastic Hips in Adolescents and Young Adults.
    J Formos Med Assoc | 2008 • Vol 107 • No 9: 720-727
  7. Kruse RW, Guille JT, Bowen Jr. Shelf arthroplasty in patients who have had Legg-Calvé Perthes disease: a study of long-term results.
    J Bone Joint Surg [Am] 1991;73-A:1338-47.
  8. Wright D, Perry D, Daniel C, et al. Shelf acetabuloplasty for Perthes disease in patients older than eight years of age: an observational cohort study.
    Journal of Pediatric Orthopaedics B 2013; vol22 issue 2: 96-100
  9. Domzalski M, Glutting J, Bowen R, et al. Lateral Acetabular Growth Stimulation Following a Labral Support Procedure in Legg-Calvé-Perthes Disease.
    J Bone Joint Surg Am, 2006 Jul 01;88(7):1458-1466
  10. Daly K, Bruce C, Catterall A. Lateral shelf acetabuloplasty in Perthes’ disease – A review at the end of growth.
    J Bone Joint Surg [Br] 1999;81-B:380-4.
  11. Osman M, Martin D, Sherlock D. Outcome of late-onset Perthes’ disease using four different treatment modalities.
    J Child Orthop (2009) 3:235–242
  12. Oh C, Rodriguez A, Guille JT, et al. Labral Support Shelf Arthroplasty for the Early Stages of Severe Legg-Calvé Perthes Disease.
    Am J Orthop. 2010;39(1):26-29.
  13. Van Der Geest I, Kooijman M, Spruit M, et al. Shelf Acetabuloplasty for Perthe’s Disease: 12-Year Follow up.
    Acta Orthopædica Belgica, Vol. 67 – 2 – 2001
  14. Chiron P, Laffosse JM, Bonnevialle N. Shelf arthroplasty by minimal invasive surgery: technique and results of 76 cases.
    Hip International / Vol. 17 no. 2 (suppl 5), 2007 / pp. S72-S82
  15. Slocum B, Slocum T. D. DARthroplasty.
    In: Bojrab, M. J., ed. Current Techniques in Small Animal Surgery, 4th Ed. Baltimore: Williams & Wilkins 1998: 1168 – 1170